DOENÇAS OCUPACIONAIS CAUSADAS PELO MANGANÊS E SEUS COMPOSTOS

Jorge da Rocha Gomes - Faculdade de Saúde Pública/USP

Sérgio Colacioppo - Faculdade de Saúde Pública/USP

1 - SITUANDO O PROBLEMA

A primeira pergunta que se impõe ao abordar um assunto referente aos danos à saúde ocasionados por condições de trabalho de um segmento social é: " por quê o trabalhador se ocupa com uma tarefa cujas consequências poderão ser muito sérias para a sua saúde? "

A resposta não é fácil. A abordagem apenas técnica, considerando os princípios tradicionais da exposição de uma doença relacionada com condições de trabalho, transmite apenas um conhecimento mas não motivará o leitor para interpretar importantes aspectos do processo saúde-trabalho.

O desgaste produzido nos trabalhadores que, por determinação social, necessitam se expor aos efeitos do manganês, é um exemplo muito expressivo do caráter multidisciplinar, multinstitucional, multicausal e, especialmente, do significado social que perpassa toda a atividade ligada à saúde dos trabalhadores.

Levando em consideração estes princípios genéricos das relações entre a saúde e o processo produtivo, os autores procurarão, sempre que oportuno, acentuar o significado destes princípios, especialmente no item relativo à prevenção.

 

2 - RECUPERANDO UM POUCO A HISTÓRIA

Hunter 14 lembra os principais fatos relacionados com o manganismo, desde 1817, quando Parkinson publicou suas pesquisas sobre uma enfermidade que veio a ser conhecida pelo seu nome com as características clínicas de distúrbios extrapiramidais.

Quatro anos mais tarde, Couper observou, na França, um caso de paciente com paraplegia que não melhorava com as medidas terapêuticas da época. Afastado do trabalho, obteve uma ligeira melhora depois de um ano. Pouco depois, um outro trabalhador desta mesma empresa ( que usava dióxido de manganês como insumo de produção de um pó branqueador ) começou a apresentar os mesmos sintomas. Como não estava estabelecido o nexo com a exposição, o paciente só permanecia afastado do trabalho nos curtos períodos de tratamento. O agravamento progressivo levou a suspeitar da exposição ao manganês como causa da enfermidade. Com o afastamento, o paciente deixou de piorar e até recuperou-se após seis anos.

O autor descreve os sintomas do manganismo com muita propriedade e, de certa maneira, coincide com os conhecimentos atuais da intoxicação. Já o mesmo não acontece com o tratamento, que naquele tempo, consistia em administração de mercuriais e vesicação na cabeça e na medula espinal. Couper completa seu relato com mais três casos publicados em 1837. Esta informação permaneceu esquecida e somente em 1901 voltou-se ao assunto quando Von Jaksch descreve os sintomas de três trabalhadores austríacos expostos ao manganês que lembravam a esclerose em placas. Posteriormente, outros autores preocuparam-se com esta intoxicação na Inglaterra e em outros países, relacionados com as mais variadas exposições.

Na América Latina, desde 1912 alguns autores, especialmente chilenos e cubanos, como, Cotzias 8 e Peñalver 19, descrevem casos de intoxicação por manganês. Rafael Peñalver esteve por algumas vezes no Brasil, ministrando cursos, e vários brasileiros visitaram-no em Miami, onde viveu até sua morte, ocorrida recentemente. Até 1945, já se computavam 353 casos de manganismo relatados, segundo refere Hunter 14.

Julgou-se oportuno abordar um pouco do desenvolvimento histórico baseado, principalmente em Hunter, um minucioso narrador, porque o conhecimento desta intoxicação é relativamente recente e, também, para conhecer melhor a evolução das dificuldades para estabelecer o nexo causal enfermidade/condições de trabalho.

 

3 - A ORIGEM DAS INTOXICAÇÕES

O nome manganês vem do latim "magnes" porque supunha-se que o minério de manganês pela sua semelhança com o minério do ferro também teria propriedades magnéticas. Este minério, a pirolusita, é o mais comumente utilizado como fonte de manganês. Sua aparência é a de um material terroso de coloração escura, quase preta, Embora seja bastante endurecido, desprende poeira com muita facilidade.

Há outros minérios como a braunita, a manganita e a hausmanita que também são usados, porém em menor escala. A diferença entre estes minérios está no tipo de composto de manganês envolvido. O principal é o dióxido de manganês mas também pode existir sob a forma de outros óxidos, havendo também formas alotrópicas do metal.

O manganês é um dos elementos químicos mais comuns na natureza, estando largamente distribuído na crosta terrestre seja no solo, como na água e em materiais biológicos. Está presente também nos alimentos, sendo esta a maior fonte de manganês para o homem do ponto de vista do ambiente geral. Em termos de exposição ocupacional, as principais fontes são a mineração e a indústria siderúrgica.

MINERAÇÃO - é feita, principalmente, a céu aberto, e envolve vários tipos e graus de exposições. Uma das operações de maior potencial de poeiras é a perfuração, em geral feita por instrumentos pneumáticos. A quebra e trituração do minério também implica considerável desprendimento de poeira. Já a lavagem, separação, calcinação, sinterização e peletização, embora potencialmente possam envolver risco de exposição, esta não é tão intensa. Uma atividade de risco que não deve ser esquecida é o transporte do minério.

Para o Brasil, a mineração do manganês reveste-se de um significado especial pela importância de suas jazidas. Toríbio 24 assinala que a jazida da Serra do Navio, no Amapá, foi descoberta em 1934, pelo engenheiro de minas, Josalfredo Barbosa. Foi explorada pela Indústria e Comércio de Minérios S. A. - ICOMI, do grupo empresarial Antunes, com a participação de 49 % da Bethlehem Steel, dos Estados Unidos. A sua forma de exploração ainda hoje é discutida uma vez que está terminando o prazo do arrendamento de cinquenta anos e a mina já se exauriu quase completamente. Há estudos para que todo o complexo da mineração passe a constituir um campus universitário sob a responsabilidade da Universidade de São Paulo.

Como o transporte do minério é muito oneroso para ser usado nos centros consumidores brasileiros, praticamente toda a sua produção foi exportada. Dados de meados da década de setenta indicam que se exportou para a América do Norte ( 42,35% ); Europa ( 50.69 % ) e Japão ( 3.36 % ). Os restantes 3,36 % destinaram-se à Argentina.

Por outro lado, o Brasil importou grande quantidade de manganês da África. Uma outra empresa de mineração que teve sua importância, foi a de Conselheiro Lafaiete, cuja produção também foi quase toda para o exterior.

Cumpre lembrar estas discussões quando se está discutindo o Projeto Carajás, que inclui a Jazida do Azul, reserva que está estimada em 45 milhões de toneladas de minério com teor médio de 42 % de manganês.

INDÚSTRIA SIDERÚRGICA - Mais de 90 % do manganês produzido no mundo destina-se à fabricação de aço. Como historia Peñalver 19, foi isolado pela primeira vez em 1774 pelo sueco Scheele, mas foi só em 1856 que Mushet descobriu a propriedade do manganês relacionada com o aumento de dureza e de durabilidade do aço ao qual se houvesse agregado uma certa quantidade de manganês. Esta propriedade deve-se ao seu poder de controle da desoxidação e do conteúdo de enxofre na fabricação do aço. Como ainda não foi encontrado um substituto do manganês para esta finalidade, pode-se imaginar a importância estratégica e econômica deste metal.

A proporção de manganês na composição das ligas pode variar desde 80 % no ferro-manganês e de 65 a 70 % no aço sílico-manganês até 0,5 a 0,6 % no duralumínio. É importante lembrar que o manganês pode integrar várias ligas como cobre, bronze e manganim. No caso de indústria siderúrgica a exposição pode ocorrer sob a forma de poeiras ou de fumos.

OUTRAS FONTES POTENCIAIS DE EXPOSIÇÕES - Além destes dois usos, o manganês também é utilizado em vários outros tipos de indústrias como será comentado a seguir.

Na indústria química, é empregado na fabricação de permanganato de potássio e de hidroquinona. Alguns sais de manganês como o sulfato o óxido são usados como fertilizante e ração para animais, respectivamente; o dióxido, como integrante da mistura despolarizante das pilhas secas.

Há ainda outras utilizações do manganês que devem ser lembradas como: fabricação de pigmentos para tintas; fabricação de resistências elétricas e de eletrodos para solda ( em avaliação de fumos metálicos em ambientes onde se realizavam operações de solda elétrica, Colacioppo 6 encontrou fumos de manganês ); fabricação de fogos de artifício; curtição de couro; fabricação de agentes branqueadores; industrialização de organocompostos de manganês ( especialmente o MMT - Metilciclopentadienila tricarbonila de manganês, usado como aditivo da gasolina em alguns países para substituir o chumbo tetraetila ).

Os compostos orgânicos, pela sua rara utilização no Brasil, não serão abordados nesta revisão, assim como os efeitos específicos de cada composto de manganês, uma vez que pouco diferem dos efeitos do manganês propriamente dito.

 

4 - COMO O MANGANÊS PENETRA E AGE NO ORGANISMO

Em termos de higiene ocupacional, as operações e atividades descritas no item anterior, desprendem manganês sob a forma de poeiras ou de fumos. Há mecanismos para dificultar, ou impedir, que este manganês consiga penetrar no organismo.

Se a penetração for por via respiratória, que ocupacionalmente é a de maior significado, o muco e os pelos nasais expelirão as partículas de maior diâmetro; o turbilhonamento respiratório nasofaríngeo encarregar-se-á de outro segmento de partículas; a mucosidade e movimento ciliar traqueobrônquicos também eliminarão parte das partículas.

Neste trânsito, o manganês poderá exercer efeitos agudos pulmonares que se verá mais adiante. Ao chegar aos alvéolos, as partículas com diâmetro menor do que um micrometro e as de maior solubilidade passam para a corrente sanguínea onde se ligam às proteínas plásmaticas e se distribuem por órgãos de elevada atividade metabólica como o fígado e o pâncreas bem como intestino e rim, órgãos emunctórios deste xenobiótico (substância química que, qualitativa e quantitativamente, é estranha ao organismo ).

O manganês rejeitado pelos mecanismos de defesa já descritos, poderá ser deglutido e penetrar no organismo por via digestiva. A absorção por esta via é bem menos significativa ( menos do que quatro por cento da quantidade ingerida é absorvida ) do que a via respiratória e é influenciada por fatores como, por exemplo, anemia, conteúdo da dieta e idade. Certas substâncias, segundo trabalhos experimentais referidos pela Organização Mundial da Saúde 25, como o metanol, podem duplicar a absorção, , ou o cálcio que diminui, ou mesmo pode inibir, a sua absorção.

A via cutânea não tem significado sob o ponto de vista ocupacional a não ser nos raros casos de exposição ao manganês orgânico.

Uma vez absorvido, o manganês circulante desaparece em poucos minutos, concentra-se no fígado, e é eliminado pelo intestino através da bile ( parte é reabsorvida ) lembrando, ainda, que uma certa proporção do manganês absorvido é eliminado pela urina, cabelos, saliva e leite. A concentração de manganês no sangue pode ser influenciada por vários fatores como, por exemplo, estação do ano ( maior no outono e verão ), nictêmero ( maior de dia do que de noite ) , certas enfermidades ( é maior na hepatite ou no infarto ) e não parece ser influenciada pela idade e gênero. A vida média do manganês no organismo, como um todo, varia entre 34 a 39 dias.

O manganês excedente distribui-se pelo organismo com preferência pelos órgãos ricos em mitocôndrias. Atravessa a barreira placentária e hematoencefálica, distribuindo-se de forma desigual nos vários setores anatômicos do cérebro. Pesquisas indicam que os núcleos da base e, especialmente, a substância negra são os locais de maior concentração.

Até aqui, foram descritos os aspectos toxicológicos da ação tóxica do manganês referentes, segundo Della Rosa e Colacioppo 7, à fase de exposição e de toxicocinética ( penetração, absorção, transporte, distribuição, biotransformação e excreção ). Numa revisão desta natureza não cabe um detalhamento de todos os mecanismos que envolvem estas duas fases da toxicologia do manganismo.

Uma vez em contato com os pontos específicos onde o manganês induz seus efeitos, haverá uma interação entre o agente tóxico e os receptores do órgão-alvo. É o que se conhece pelo nome de toxicodinâmica, que será discutido a seguir.

Ressaltando o pouco conhecimento que se tem sobre os mecanismos de ação do manganês, Siqueira e Moraes 20 descrevem com detalhes as alterações bioquímicas que precedem as alterações histológicas do sistema nervoso central.

A semelhança entre a intoxicação pelo manganês e o parkinsonismo, já referida anteriormente, pressupõe mecanismos de ação também semelhantes, como, por exemplo, as alterações no metabolismo das catecolaminas do cérebro, especialmente a Dopamina. Outra alteração importante é a degeneração e redução da melanina da substância negra, estrutura que, junto com o corpo estriado e o globo pálido, participam do sistema extrapiramidal.

Nos estudos referidos pela OMS 25 foram encontrados níveis reduzidos de Dopamina nesta região cerebral. Esta redução é um dos motivos que levou à utilização de um precursor da Dopamina, a L-DOPA, como recurso terapêutico como se verá mais à frente. Mas pode ocorrer também um aumento da Dopamina, o que indica como ainda se conhece muito pouco sobre estes mecanismos toxicológicos.

Siqueira 21 , que estudou estes aspectos em sua tese de doutoramento, ressalta a importância das alterações da atividade das enzimas envolvidas na síntese e no metabolismo da Dopamina, na produção do ácido gama-aminobutírico - Gaba, e na oxidação de enzimas localizadas em mitocôndrias onde, na intoxicação, há um acúmulo de manganês. Estas enzimas são necessárias para suprir a energia necessária para degradação e síntese das catecolaminas imprescindíveis para a transmissão sináptica. Alterações neste sistema podem explicar as modificações comportamentais que serão descritas mais adiante, assim como alterações na transmissão neuronal, lembrando que qualquer degeneração de células neuronais desencadeia efeitos clínicos.

A degeneração neuronal decorrente da ação do manganês está relacionada com complexos mecanismos que envolvem, entre outros, a redução da atividade enzimática, os danos à membrana lisossômica, a depleção da serotonina, o aumento da adenosina-diaminase, a inibição da tirosina hidroxilase, e a oxidação celular mitocondrial.

Tanaka 23 analisa a ação do manganês sobre o aparelho respiratório, colocando algumas incertezas sobre o assunto. Enquanto alguns estudos experimentais comprovam uma ação irritativa do manganês como origem de uma pneumonite química, outros referem um aumento da incidência de pneumonia em pessoas ocupacional ou ambientalmente expostas, sem identificar nenhum mecanismo mais específico da ação pneumotóxica do manganês. Alguns até colocam em dúvida se este aumento de incidência é real ou apenas uma falta de estudos epidemiológicos mais bem planejados. Também há referências a uma possível potencialização ou agravamento de processos infecciosos já existentes. Pode haver sinergismo entre a exposição ao manganês e exposição ao óxido de enxofre e o hábito de fumar.

Estes mecanismos são pouco conhecidos e estão sendo referidos com o objetivo de aguçar a curiosidade do leitor, não cabendo, neste trabalho, esmiuçar mais estes aspectos da toxicologia do manganismo.

 

5 - COMO A INTOXICAÇÃO SE MANIFESTA

Para entender as manifestações clínicas do manganismo, é útil uma rápida revisão anatomofisiológica da região cerebral correspondente aos núcleos da base. Estes núcleos, explica Machado 15, são o claustro, o corpo amigdalóide e corpo estriado, este último, integrado pelo núcleo caudado, putâmen e globo pálido. As conexões do corpo estriado são complexas e as mais importantes são as com a córtex, o tálamo e a substância negra. As fibras nigro-estriadas são dopaminérgicas e, com quase certeza, utilizam a Dopamina como mediador químico. Estas fibras fazem sinapse com os neurônios do núcleo caudado e do putâmen, o que explica a elevada concentração de Dopamina nesta região.

O corpo estriado é um significante centro do sistema extrapiramidal. As afecções do corpo estriado, ou dos núcleos com ele relacionados, estão, em geral, associados a distúrbios do tônus muscular, que se manifestam como tremores ou movimentos involuntários do tipo balismos, coréia e atetose. Enquanto que na coréia e na atetose as lesões são principalmente do núcleo caudado e do putâmen, no caso da doença de Parkinson e da intoxicação pelo manganês, as lesões anatomopatológicas de uma degeneração neuronal, concentram-se mais na substância negra e nas fibras dopaminérgicas nigro-estriadas.

O conjunto de sintomas que caracterizam as lesões do tipo Parkinson envolvem tremor de extremidades, rigidez da musculatura e lentidão de movimentos, entre outras manifestações. Uma das explicações para esta síndrome é o rompimento do equilíbrio entre a ação que excita e a que inibe a atividade da musculatura esquelética. A redução da Dopamina na região da substância negra e no corpo estriado interfere no mecanismo da atividade motora, resultando numa hipertonia e hipercinesia. Este conhecimento proporcionou algumas técnicas cirúrgicas para controlar os distúrbios da marcha parkinsoniana, bem como a terapêutica medicamentosa com a L-DOPA.

Após esta breve referência aos aspectos anatômicos e funcionais do sistema nervoso central, poder-se-á explicitar melhor as principais manifestações clínicas da intoxicação pelo manganês que são, predominantemente, de esfera neurológica.

A descrição que se fará a seguir está baseada na vivência de um dos autores ( JRG ) no atendimento de mangânicos atendidos no Serviço de Medicina Industrial do SESI, de 1969 a 1972, episódio este, relatado em vídeo editado pelo SESI. Uma experiência de Minas Gerais, transmitida em um vídeo feito do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais em conjunto com o Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, também foi importante fonte para redigir este item de sintomas.

A literatura refere-se a um período pré-mangânico caracterizado por manifestações comportamentais atribuídas a uma espécie de excitação química do sistema nervoso central. Embora consideradas como uma fase prodrômica da enfermidade, estes sintomas persistem durante a fase de intoxicação crônica. Estas alterações envolvem alterações de humor, com choro e riso desconectados do estado emocional do paciente e com uma tendência a persistir mesmo depois de cessado o motivo da manifestação, como será comentado mais adiante.

Outras alterações da esfera psíquica que estão relacionadas precocemente com a exposição ao manganês podem manifestar-se sob a forma de apatia, sonolência, pesadelos, compulsividade, tendência à melancolia com crises de choro, inquietação, euforia, excitação psicomotora, aumento da libido, bulimia e até mesmo alucinações. No vídeo de Minas Gerais há referência a um paciente cujo quadro era tão semelhante a uma psicose que foi tratado como tal com a terapêutica que alguns serviços administravam na época: eletrochoque.

Como os distúrbios neurológicos são muito característicos e muito semelhantes à síndrome de Parkinson, o reconhecimento de um paciente mangânico não é difícil desde que se pense nesta possibilidade. Caso contrário, haverá uma série de entidades nosoneurológicas para confundir o médico e dificilmente será feito o diagnóstico.

O diagnóstico mais comum é o de polineurite periférica de origem etílica, impressão confirmada pelos distúrbios de equilíbrio. Um dos pacientes de Minas Gerais refere que ao passar por um bar, de manhã bem cedo, seus companheiros gritavam: " - Já bêbedo a esta hora? " .

Na fase crônica da enfermidade, o médico verá um paciente entrar no consultório com uma marcha muito característica. É um caminhar com o tronco meio inclinado para trás e região da articulação coxofemoral projetada para frente, à semelhança de uma manequim quando desfila conforme está esquematizado na figura 1:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fig 1 - Aspecto esquemático da marcha do paciente: notar a posição dos pés, o sorriso estereotipado e a cintura pélvica projetada para frente.

 

 

Os passos são curtos e a musculatura mais ou menos espástica descoordena a marcha, sendo que os pés quase não se elevam do solo, dando a impressão que ele está " chutando " alguma coisa. Nos casos mais adiantados, os pés se arrastam pelo solo e em alguns pacientes mais graves, o pé descreve um semi-arco ao ser deslocado para a frente, como se pode ver nas figuras 2 e 3:

 

 

 

 

 

 

 

 

Fig 2 - Esquema da marcha de pacientes mais gravemente afetados pelo manganismo, notando-se o arco que os pés descrevem.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fig 3 - A impressão deixada no solo pela marcha de um paciente e por uma pessoa não afetada.

Um dos pacientes do SESI, que praticamente não se locomovia

(usava cadeira de rodas) , ao tentar caminhar, amparado, arrastava os pés e, além do semi-arco, raspava as unhas dos pés no solo.

A espasticidade consequente à liberação do sistema extrapiramidal costuma se manifestar inicialmente por uma contração da musculatura da região gemelar. Como conseqüência, a parte posterior do pé se eleva (o calcanhar não encosta no piso) e o paciente apóia-se com a parte antero-lateral, conferindo um aspecto muito peculiar conhecido como o " passo de bailarina ou passo de galo ". O desenho da figura 4, procura evidenciar os aspectos da espasticidade muscular dos pés e mãos:

 

 

 

 

 

 

 

Fig 4 - Notar a posição de apoio antero-lateral dos pés e a deformidade espástica das mãos.

 

 

Como o equilíbrio é muito instável, com muita possibilidade de quedas, o paciente aumenta o polígono de sustentação, abrindo exageradamente os membros inferiores. Muitas vezes, quando a enfermidade avança, há necessidade do uso de bengalas ou mesmo de muletas. Esta instabilidade de equilíbrio, segundo alguns autores, dificulta bastante a locomoção com uso de bicicleta.

Ao descer uma escada, o paciente toma um grande cuidado para não se precipitar para frente e cair porque há uma tendência a se projetar para diante, chamada propulsão. Há um película francesa, que filmou trabalhadores marroquinos com sintomatologia mangânica. Numa das cenas, colocaram alguns trabalhadores no alto de uma pequena colina e, a um sinal, eles começam a correr para baixo e todos vão caindo. É uma cena muito dramática e expressa com, muito realismo, o que é a propulsão.

Outra alteração de marcha, característica do manganismo, é a retropulsão, ou seja a tendência de cair para trás. Evidencia-se facilmente se o examinador colocar a mão no tórax do paciente e o empurrar para trás, esquematizado na figura 5:

 

 

 

 

 

 

 

Fig 5 - Avaliação da retropulsão

 

 

O paciente não só tende a cair, ele pode mesmo chegar a cair. O autor, apesar de já ter experiência com este teste quando acompanhou os pacientes do SESI, recentemente, ao examinar trabalhadores de uma empresa que preparava manganês para indústria de pilhas secas, descuidou-se e o paciente quase caiu. Neste teste, é importante que um auxiliar se coloque por trás do paciente para ampará-lo, evitando uma queda.

Um intoxicado pelo manganês, tem grande dificuldade de executar uma volta sobre si mesmo quando está caminhando. Assim, se estiver andando e for chamado, apóia-se em dos pés e com o outro, executará um complicado e arrastado movimento de pequenos passos e, e só muito lentamente, conseguirá virar-se e atender ao chamado. Da mesma forma, se for vestir a calça, não conseguirá manter-se equilibrado em apenas uma das pernas, lembrando porém que estas alterações do equilíbrio não são acompanhadas de tonturas. Além disto, este paciente, para deitar-se na mesa de exames, terá muitas dificuldades pela pequena mobilidade das articulações dos seus membros.

Os membros superiores também podem estar afetados. Um dos pacientes mineiros comentava que " seus braços tendiam a dirigir-se para trás e o corpo acompanhava esta tendência ". Em casos muito avançados pode ocorrer uma paralisia espástica com acentuada deformidade ( figura 4 ) e impotência funcional das mãos. O teste da pronossupinação ( figura 6 ) , assim como o teste da roda denteada, do dedo-nariz, e a presença de disdiadococinesia indicam alterações significativas de comprometimento neurológico com disfunção da coordenação motora, que se agravam com o desenvolvimento da enfermidade. Os reflexos podem estar aumentados como, por exemplo, o de Romberg ( figura 6 ).

 

 

 

 

 

 

 

Fig 6 - Pronossupinação " lenta " e hiperreflexia do

mangânico.

 

A face, seja pela rigidez da musculatura, seja pelas alterações do humor, é muito inexpressiva, "gelada" na sugestiva e criativa maneira de dizer de autores franceses, como refere Hanns 13.

O tremor do paciente mangânico , ao contrário do parkinsonismo, agrava-se com o movimento. Pode ser muito intenso, chegando até a transmitir-se ao leito do paciente, como assinala Peñalver 19 . Apresenta também distúrbios na fala que é difícil de entender porque a intensidade da voz começa elevada e vai diminuindo para quando chega ao final da frase está praticamente num murmúrio. Além disto, o intervalo entre as palavras tende a diminuir e a fala torna-se, não só pouco inteligível, mas também muito monótona pela tonalidade uniforme. Ao escrever, estas características também transparecem: a letra é muito tremida, as palavras iniciam-se com um letra grande que vai diminuindo e termina quase com um simples traço. O espaço entre as palavras também está muito reduzido e, muitas vezes, as palavras aparecem ligadas, umas às outras.

Além destes aspectos ligados ao sistema nervoso central, serão comentados alguns outros efeitos do manganês no organismo dos trabalhadores expostos.

O aparelho respiratório, como já foi referido, pode reagir à poeira ou aos fumos de manganês com uma pneumonite química que não costuma causar lesões permanentes ou fibrose. Como a sintomatologia neurológica é muito mais significativa, a constatação deste possível efeito do manganês sobre os pulmões só foi identificado muito tempo depois de se ter descoberto os efeitos do manganês sobre o sistema nervoso central.

Hunter 14 traçou um histórico da evolução deste efeito, reportando-se a 1921 quando Brezina descreveu os primeiros casos de pneumonia, relacionando-os com a exposição ao manganês pois tratava-se de trabalhadores de uma indústria que usava pirolusita. Na realidade, a descoberta desta relação entre manganês e pneumonia foi baseada em estudos epidemiológicos que constataram uma incidência maior de pneumonia entre os expostos e os não expostos.

Referindo-se aos estudos de Lloyd Davies, de 1946, comenta Hunter 14, que, no grupo de expostos ao manganês a incidência de pneumonia em um período de mais de oito anos foi de 26 casos por mil expostos, enquanto que a incidência no grupo controle foi de 0,73 casos de pneumonia por mil trabalhadores.

A pneumonia causada pelo manganês quase não difere da pneumonia de outras etiologias e não há exames específicos para diferenciá-la. O diagnóstico terá que ser calcado na história ocupacional e em dados epidemiológicos. Certas diferenças, no entanto, poderão ajudar no diagnóstico, embora nem sempre estejam presentes: resposta mais lenta ao tratamento, letalidade maior e atingir toda a árvore respiratória, desde a mucosa nasal até os alvéolos. Em estudos experimentais o raio X poderá revelar imagens matizadas claras e acentuação dos vasos sanguíneos pulmonares, refletindo congestão pulmonar.

Peñalver 19 faz menção a uma maior incidência de pterígio nos trabalhadores das minas de manganês do Amapá. Gomes 12, também encontrou esta incidência maior de pterígio entre soldadores em cujo ambiente de trabalho havia fumos de manganês originados nos eletrodos usados na solda.

Vários autores realizaram experimentos com manganês em animais. Tais estudos, sumarizados pela OMS 25 analisaram efeitos do manganês em vários segmentos do organismo tais como: fígado (alterações no fluxo da bile, necrose hepática, congestão hepática, alterações endoplasmáticas, aumento da síntese do colesterol, distúrbios no metabolismo dos lipídios e glicídios e um aumento da coagulação do sangue); aparelho cardiovascular (redução da pressão sanguínea e aumento da monoaminoxidase) . Outros efeitos experimentais também foram estudados como, por exemplo: a ação carcinogênica ainda não foi comprovada, mas há pelo menos um estudo demonstrando aumento significante da incidência de câncer pulmonar no grupo de animais que receberam manganês em relação ao grupo controle.

Sobre a ação mutagênica e interferência sobre os cromossomos pouco se sabe, mas alguns autores referem incidência anormal de aberrações cromossômicas, aumento de atividade mitótica e efeitos mutagênicos; depressão da atividade da tireóide; aumento de cálcio e redução do magnésio séricos, alterações na atividade imunológica e distúrbios no metabolismo do nitrogênio. McDiamird e col. 16 lembram os efeitos sobre o aparelho reprodutor: impotência, disfunção sexual e esterilidade.

É importante lembrar que os efeitos assinalados nos dois últimos parágrafos são decorrentes de estudos experimentais realizados em animais, mas ainda não comprovados no homem.

 

6 - COMO RECONHECER E COMPROVAR O MANGANISMO

O diagnóstico da intoxicação pelo manganês é baseado nos dados clínicos e da anamnese ocupacional. Paciente que trabalha em alguma ocupação como as referidas no item " A origem das intoxicações ", que apresentar um quadro nosológico assemelhado ao descrito no item anterior, será um paciente mangânico até prova em contrário.

É oportuno lembrar que há casos iniciais onde a sintomatologia não será tão exuberante mas um exame clínico-ocupacional cuidadoso, e com ênfase nos aspectos neurológicos, levará ao diagnóstico.

A interpretação da contribuição do laboratório é complexa e, na grande maioria das vezes, pouco esclarecedora. Os exames propostos para diagnóstico e acompanhamento dos pacientes não são coerentes ao se cotejar os resultados dos exames com o estado clínico e a intensidade da exposição. Esta inconsistência é enfatizada pela OMS 25 quando se refere à baixa correlação entre os níveis de manganês no sangue ou na urina com a intensidade da exposição e com a gravidade da resposta do organismo ao toxicante. Ressalta também as dificuldades diagnósticas no estágio inicial da enfermidade. Há que considerar ainda, que as relações, dose/efeito e dose/resposta, são muito influenciadas pela hipersusceptibilidade, cujo mecanismo pouco se conhece.

Mesmo com toda esta limitação, a manganemia ou a manganúria ainda são os exames indicados para avaliação da exposição.

A concentração de manganês no sangue total varia numa grande amplitude. Em indivíduos não expostos, a OMS 25 relaciona uma série de pesquisas onde o resultado desta concentração em microgramas por cem mililitros de sangue total variou de 0,844 até 7,6.

Contribuem para esta grande variabilidade, problemas com:

a - colheita do sangue ( obtenção do sangue por punção venosa é melhor do que a obtida por meio de picada; certos tipos de agulhas também podem conter manganês em sua composição, como, por exemplo, o aço inoxidável; uso de anticoagulantes: a heparina pode acusar uma concentração significante de manganês);

b - método analítico utilizado (há vários métodos laboratoriais disponíveis para a dosagem de manganês no sangue como a espectrofotometria, espectroscopia por emissão de plasma (ICP), espectrofotometria de absorção atômica, ativação de neutrons e fluorescência por raios-X).

Em não expostos, a manganúria varia de 3 a 21 microgramas por litro de urina. Considerando a eliminação do manganês no organismo, outros indicadores podem ser usados como, a concentração de manganês nas fezes, nos cabelos, nas unhas, no suor e na secreção láctea. Mas sua escassa utilização não permite ainda conclusões sobre sua real utilidade.

Em termos de efeitos metabólicos precoces, a dosagem do ácido homovanílico urinário e da adenosina desaminase plasmática estão sendo estudados como índices da exposição ocupacional ao manganês, como, por exemplo, Siqueira 21 .

Em princípio, a posição da OMS 25 sobre indicadores biológicos de acompanhamento de saúde de trabalhadores ocupacionalmente expostos continua atual: ainda não se conhece nenhum parâmetro biológico específico que possa ser usado como monitor de trabalhadores expostos ao manganês, tanto para estudos epidemiológicos como para o diagnóstico.

7 - EXISTE TRATAMENTO E CURA PARA O MANGANISMO?

Até 1971, praticamente não havia nenhum tratamento para o manganismo. As experiências com EDTA ( etilenodiamino tetra acetatodicálcico ) e com BAL ( 2,3 dimercaptopropanol - British Anti-Lewisite ) não se revelaram eficientes no tratamento da intoxicação. O esquema terapêutico resumia-se no tratamento sintomático. Os pacientes do SESI, durante algum tempo eram tratados com vitaminas e algum tranqüilizante numa tentativa de controlar um pouco os tremores e a insônia, quando presente. Na verdade, porém, com muito pouco sucesso.

Em 1971, Cotzias 8 publica trabalho revelando a descoberta da Levodopa ( 3,4 dihidroxifenilalanina ) também chamada de L-DOPA, um precursor da Dopamina. Stokinger 22 referindo-se a esta descoberta chilena, entusiasma-se a ponto de considerá-la como um dos grandes acontecimentos farmacológicos deste século. Acrescenta, ainda, que este medicamento foi descoberto a partir de uma hipótese baseada no conhecimento da fisiopatologia da intoxicação.

Como já foi visto no item " Como o manganês penetra e age no organismo " , há uma depleção de Dopamina nos núcleos cerebrais. A L-Dopa, como um precursor da Dopamina, aumenta a concentração desta substância, visando corrigir este efeito do manganês.

Por outro lado, a L-DOPA transforma-se rapidamente em Dopamina, tanto antes como depois de atravessar a barreira hematoencefálica, por carboxilação. Sabe-se que a Dopamina não atravessa esta barreira e, portanto, esta transformação é um desperdício medicamentoso. Para inibir esta ação carboxílica, usa-se a Carbidopa e a Benserazida.

Os receptores dopaminérgicos, por sua vez, podem ser estimulados por meio da Bromocriptina ou a Pergolida que é de 10 a 1000 vezes mais potente do que a Bromocriptina. O predomínio parassimpático decorrente do desequilíbrio do tônus muscular pode ser contornado com a administração de parassimpaticolíticos como o biperideno, enquanto que a degradação intraneuronal da Dopamina no sistema nigro-estriado pode ser reduzida pela selegilina.

O tratamento de um paciente intoxicado pelo manganês é complexo e pressupõe a assistência de um neurologista. As dosagens prescritas variam conforme os sintomas e a tolerância dos pacientes. Sua administração envolve muitos cuidados em termos de potencialização dos efeitos e da sintomatologia ligada a sua supressão brusca que poderá ocasionar recrudescimento dos sintomas.

Há várias formulações que usualmente são usadas no tratamento do Parkinsonismo e que podem ser lembradas para o controle terapêutico dos mangânicos. Seus nomes comerciais, extraídos do Dicionário de Especialidades Farmacêuticas 9, podem ser vistos no Box 1

 

Box 1 - Alguns medicamentos que podem ser usados no tratamento do manganismo.

 

Akineton ( Knoll ) - Biperideno;

Celance ( Eli Lilly ) - Pergolida;

Cronomet ( Merck ) - Carbidopa + Levodopa;

Deprilan ( Biosintética ) - Selegilina;

Jumexil ( Farmalab ) - Selegilina;

Levocarb ( Sanus ) - Carbidopa + Levodopa;

Niar ( Knoll ) - selegilina;

Prolopa ( Roche ) - Levodopa + Benserazida

Sinemet ( Prodome ) - Levodopa + Carbidopa;

Akineton ( Knoll ) - Biperideno.

 

Recentemente a imprensa leiga noticiou experiências com uma cirurgia que aplicava células cerebrais de fetos abortados diretamente na substância negra. Em princípio, estas células poderiam sobreviver, crescer e integrar-se no cérebro do receptor com razoável recuperação da função de produção de Dopamina. Esta cirurgia, indicada para parkinsonianos e ainda em fase de aperfeiçoamento da técnica, possivelmente poderá também ser utilizada para pacientes mangânicos.

Em 1972, logo após a publicação das experiências de Cotzias 8 este tratamento com L-DOPA foi aplicado nos 17 casos de manganismo do SESI,relatados por Almeida e cols. 1 . Naquela época, o tratamento resumia-se na L-DOPA sem os demais medicamentos. Infelizmente, o resultado não foi satisfatório porque não beneficiou, duradouramente, nenhum dos pacientes. Talvez porque o tempo de administração tenha sido muito curto ou pela falta dos outros medicamentos que, hoje, integram o esquema terapêutico.

Mais recentemente, pacientes intoxicados por manganês numa fábrica de pilhas secas foram tratados com este esquema terapêutico mais abrangente, com resultados bem mais animadores. Carvalho 5, em Minas Gerais também refere resultados satisfatórios com Levodopa.

O prognóstico quanto à vida é muito bom, mas quanto à capacidade de trabalho é mau. Peñalver 19, citando Granch, refere-se ao mangânico como um " inválido sadio ". Nos casos do SESI, todos os intoxicados evoluíram para uma incapacitação total e permanente para o trabalho, sendo que o mais severamente atingido, como já foi referido, locomovia-se em cadeira de rodas.

Respondendo concretamente à pergunta do título deste item: há tratamento para o manganismo cujos resultados ainda são um pouco incertos, quanto à cura propriamente dita, mas que podem proporcionar uma grande ajuda ao paciente. Tais resultados dependem muito do grau de acometimento do paciente. Há até referências de remissão da sintomatologia em pacientes afastados da exposição logo no início do aparecimento dos efeitos tóxicos do manganês.

 

8 - COMO AVALIAR O RISCO DE INTOXICAÇÃO

Para que ocorra uma doença ocupacional, é necessário que exista uma exposição, ou seja, a dose que o trabalhador recebe de manganês. Existem diversos fatores intervenientes na exposição, que devem ser conhecidos para que se estime o risco de uma dose excessiva.

Inicialmente deve-se conhecer a forma como o manganês se encontra no ambiente e em que é transformado durante o processo produtivo. Para isto, precisamos conhecer, em detalhe, o processo, verificando sobretudo, a possibilidade de liberação de material particulado.

Processos a frio, como carregamento, moagem etc, tendem a produzir poeiras, que podem ser classificadas como inaláveis, com partículas com diâmetro aerodinâmico próximos a 100 micrometros, ou de penetração torácica inferiores a 25 micrometros. Já os processos a quente, como fundição, siderurgia e soldas, originam fumos de manganês, material particulado extremamente fino, predominando partículas da ordem de 1, ou menos, micrometros.

Uma vez verificada a presença e a forma do manganês, deve-se estimar a possibilidade que existe de um trabalhador, ao exercer uma dada função, respirar estas poeiras ou fumos, e por quanto tempo. Para isto, as atividades ou tarefas de cada função devem ser, cuidadosamente, observadas.

Para aquelas funções onde se identificou a possibilidade de exposição é recomendada uma avaliação preliminar. Esta se fará inicialmente, juntando a população de trabalhadores em grupos homogêneos em relação a este risco e selecionando, aleatoriamente, trabalhadores para representar todo o grupo, seguindo critérios estatísticos de amostragem.

A estimativa do nível de concentração na zona respiratória de cada trabalhador escolhido deve ser realizada com bombas portáteis fixadas ao próprio trabalhador e a coleta do material particulado em filtros membrana de ésteres de celulose. Ressalta-se que em operações a quente, é comum que os trabalhadores usem protetores faciais. Neste caso, o amostrador deve estar atrás do protetor, junto ao nariz, coletando realmente o ar que o trabalhador está respirando. Os filtros são posteriormente submetidos à análise por espectrofotometria de absorção atômica, ou espectroscopia de emissão de plasma (ICP).

As coletas devem cobrir pelo menos 80% da jornada de trabalho para que cada amostra represente a média ponderada pelo tempo para o trabalhador amostrado. A média geométrica das médias ponderadas pelo tempo, de um determinado grupo homogêneo de trabalhadores, será a média atribuída a todo o grupo e esta será a estimativa da exposição do grupo num dado período amostrado.

Estas determinações devem ser repetidas em tantos outros períodos quanto necessários, para estimar a influência de fatores intervenientes como turnos, condições climáticas, variações do processo produtivo etc.

Todo o conjunto de avaliação deve ser repetido sistemática e periodicamente dentro de um Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA como prevê a NR-9 3.

Uma vez estimado o nível de exposição do grupo em um dado período, este valor deve ser comparado com um valor de referência que, neste caso, é o Limite de Exposição Ocupacional.

A legislação brasileira estabeleceu ( NR 15 3 ) em 5 mg/m3 o, assim chamado, Limite de Tolerância para a poeira de manganês, considerando jornadas de até oito horas diárias, para exposições referentes à extração, tratamento, moagem, transporte do minério ou outras operações que envolvam poeira de manganês ou de seus compostos.

No caso de exposição a fumos de manganês, o limite legalmente estabelecido no Brasil é de 1 mg/m3, sendo referidas as seguintes operações: metalurgia de minerais de manganês, fabricação de compostos de manganês, fabricação de pilhas secas e baterias, fabricação de vidros especiais e cerâmica, fabricação e uso de eletrodos de solda, fabricação de produtos químicos, tintas e fertilizantes ou outras exposições a fumos de manganês.

Os limites da legislação brasileira coincidem com a atual recomendação da ACGIH - American Conference of Governmental Industrial Hygienists - USA. Mas esta entidade está propondo modificações para 1996, devendo este limite ser reduzido para 0,2 mg/m3, especificando-se apenas o elemento manganês ou seus compostos inorgânicos (dosados como Mn), independentemente de ser poeira ou fumo.

Se aplicável ao Brasil, como há possibilidade pela atual redação da NR-9 3, este novo Limite de Exposição Ocupacional, dificilmente será observado na maioria dos locais de trabalho, pois trata-se de uma redução de 25 vezes na concentração ambiental para o caso das poeiras e de 5 vezes para os fumos. Ressalta-se que concentrações superiores ao novo limite proposto pela ACGIH ainda são encontradas, com relativa facilidade, em avaliações ambientais realizadas no Brasil.

Sob o ponto de vista legal, os Limites de Exposição podem ser considerados como um nível de exposição acima do qual este ou aquele benefício é devido aos trabalhadores. Porém, do ponto de vista técnico deve ser considerado como guia de orientação e como um parâmetro que, se respeitado, a maioria dos trabalhadores estará protegida e a possibilidade de aparecimento de desvios da saúde será bastante reduzida, contudo nunca será zero.

O risco de intoxicação ocupacional para um trabalhador exposto a manganês só será zero se o manganês for eliminado do processo produtivo; tendo em vista os efeitos graves e irreversíveis causados por esta exposição, este objetivo deveria ser proposto para ser implantado num cronograma a ser discutido pelos copartícipes sociais envolvidos no problema.

Mas, mesmo respeitando-se os Limites de Exposição Ocupacional, ainda teremos a possibilidade de aparecimento de algum sinal ou sintoma. Por isto os Limites de Exposição Ocupacional são dinâmicos em relação ao tempo, com uma tendência de redução constante de acordo com o avanço dos conhecimentos, como relatado na proposta de redução da ACGIH.

Deve ser lembrado ainda que, do ponto de vista técnico, e coincidindo com o disposto na NR-9 3, um trabalhador deve ser considerado exposto e ser submetido à Monitorização Ambiental e Biológica e Controle Médico, quando os níveis de exposição medidos como já foi referido, atingirem ou ultrapassarem o Nível de Ação.

O Nível de Ação é, de uma forma geral, a metade do Limite de Exposição Ocupacional, o que representa a maioria das exposições usualmente encontradas. O Nível de Ação, porém, é função da variabilidade das exposições encontradas. Quanto maior a variabilidade, menor será o Nível de Ação. Para operações de solda, por exemplo, este valor equivale a 15% do Limite de Exposição Ocupacional.

 

9 - COMO EVITAR A INTOXICAÇÃO

Tradicionalmente, os aspectos preventivos são tratados segundo o modelo epidemiológico da história natural de uma enfermidade em três níveis de atuação. É neste marco que será feita uma abordagem inicial para, depois, analisar o assunto por meio de uma visão epidemiológica, mais holística, dos determinantes político-sociais da intoxicação.

A prevenção de uma doença profissional causada por uma carga química poderá ser planejada de acordo com a seguinte sequência: eliminando o agente; isolando-o no ponto de origem; impedindo que o trabalhador tenha contato com o agente; dificultando a penetração e absorção pelo organismo; avaliando biologicamente o nível de exposição; detectando a sintomatologia inicial; tratando precocemente a intoxicação; reduzindo o dano da doença pela reabilitação, não só a física mas também a reabilitação profissional bem como o ressarcimento previdenciário das conseqüências do dano à saúde.

Medidas preventivas que se referem mais diretamente à pessoa do trabalhador, visando promover sua saúde são também consideradas da maior importância para a prevenção. Nestas medidas promocionais da saúde podem ser incluídas boas condições de alimentação, higiene pessoal, salário, habitação, treinamento sobre uso de medidas protetoras, bom relacionamento no trabalho, férias, etc.

A substituição do manganês nos processos industriais nem sempre é, tecnologicamente, possível. Para alguns de seus usos ainda não se encontrou substituto o que faz prever que durante muito tempo será ainda utilizado. Uma outra medida preventiva a ser pensada é o afastamento do trabalhador da área de risco. Uma das maneiras de se conseguir este isolamento é a automatização do processo de maneira que o operador não necessite entrar diretamente na área de produção.

A robotização tem trazido soluções muito importantes no sentido de tornar desnecessária a presença do trabalhador em locais que envolvem riscos para a saúde. Outro modo, é o enclausuramento, (não deixa de ser um tipo de automatização), onde a operação que desprende a carga química prejudicial é mantida completamente fechada e o trabalhador a opera do lado de fora. Pode ser utilizada, por exemplo, no carregamento da carga de manganês nos fornos de siderurgia.

Estes métodos preventivos podem ser considerados como um trabalho sem risco e deveriam ser escolhidos prioritariamente, porque eles praticamente independem da vontade do trabalhador ou de sua chefia para serem usados corretamente.

Os métodos coletivos de proteção vêm a seguir em termos de ordem de prioridades. Sua utilização já depende, em grau maior ou menor da vontade do trabalhador ou das chefias. Entre estes métodos podem ser citados a umectação (de grande importância em certas fases da mineração); a segregação, que consiste em limitar a área de maior risco no tempo, (trabalhar só a noite - ou em certas horas com menos movimento ) ou no espaço ( executar a operação num local mais distante da área habitual de produção ), de maneira a reduzir o número de expostos; ventilação local exaustora e ventilação geral diluidora ( têm como finalidade retirar as cargas químicas do ambiente ou reduzir a sua concentração )

Outras medidas coletivas de importância são a ordem e limpeza no local de trabalho, a manutenção correta dos equipamentos com especial atenção ao sistema de ventilação ( os filtros devem ser objeto de cuidados muito especiais )

No caso de não conseguir implantar estas medidas de manter um trabalho sem risco ou assegurar um trabalho protegido por medidas de proteção coletiva, pensar-se-á em dificultar que a carga química atinja o trabalhador, adotando medidas específicas de prevenção que são os equipamentos de proteção individual, tais como, protetores respiratórios, calçados de segurança, luvas, etc.

Se as medidas preventivas até aqui assinaladas não forem adotadas, o manganês penetrará no organismo, conforme já foi analisado. Começará, então, um outro nível de ação preventiva, que consiste em procurar detectar como o trabalhador está reagindo a este toxicante. Isto poderá ser feito numa primeira etapa por meio dos indicadores biológicos de exposição e, numa etapa mais avançada, avaliando o grau de comprometimento orgânico por meio de índices de intoxicação.

No caso do manganês, estas medidas que, de certa forma, tentam limitar os efeitos do dano à saúde ocasionados pela exposição, não controlada, ao manganês, são muito pouco eficientes. Como índice de exposição, conforme já foi visto, a dosagem de manganês no sangue, na urina ou nas fezes, guarda pouca correlação com a intensidade da exposição e com o desenvolvimento da enfermidade, se esta já se tiver instalado.

A legislação brasileira que estabelece as diretrizes do programa de controle médico de saúde ocupacional, não incluiu o manganês entre os parâmetros para controle biológico da exposição ocupacional a alguns agentes químicos.

Não havendo indicadores conhecidos até o momento que sejam confiáveis, resta identificar muito precocemente a sintomatologia para afastar o paciente da exposição antes que seu estado de saúde se agrave. Neste sentido, um bom exame clínico, com ênfase na anamnese ocupacional e na semiótica neurológica serão imprescindíveis, assim como o afastamento imediato do trabalho no caso de qualquer sinal ou sintoma que possa lembrar os efeitos do manganês. Considerando a gravidade da intoxicação, não tem muito sentido aguardar esta etapa do acompanhamento da saúde dos trabalhadores expostos para agir. Ela identifica graves falhas na prevenção. Sem a correção destas falhas, o trabalho não deveria ser permitido e o empregador instado, educacional ou coercitivamene, a saná-las.

Se apesar de todas estas medidas ocorrer a intoxicação, poder-se-á reduzir a intensidade dos seus efeitos com um tratamento bem conduzido. Este tratamento, além do esquema medicamentoso já referido, poderá envolver necessidade de tratamento hospitalar. Nos casos muito adiantados onde o paciente permanece constantemente no leito, são requeridos cuidados especiais para a prevenção das escaras de decúbito.

No caso, infelizmente frequente, de sequelas, a reabilitação será muito importante não só para a recuperação física do paciente, como também e principalmente, na reintegração, de alguma forma, deste paciente na força de trabalho.

Um aspecto de grande significado para os que trabalham com manganês, são os seus aspectos legais que, resumidamente, serão comentados a seguir.

O anexo 12, da NR 15, 3 além de estabelecer o Limite de Tolerância já referido, considera como insalubre em grau máximo ( adicional salarial equivalente a quarenta por cento do salário mínimo da região ) as atividades e operações realizadas com o manganês, sempre que estes limites forem ultrapassados. Enumera, também, uma série de indicações que, pela sua significância, devem ser conhecidas pelos trabalhadores e pelos profissionais que intervêm nos ambientes de trabalho onde haja manganês. (boxes 2 e 3)

 

Box 2 - Recomendações e medidas de prevenção, e de controle, legalmente indicadas para as operações com manganês e seus compostos:

 

a) substituição de perfuração a seco por processos úmidos;

b) perfeita ventilação após detonações, antes de reiniciarem os trabalhos;

c) ventilação adequada, durante os trabalhos em áreas confinadas;

d) uso de equipamentos de proteção respiratória com filtros mecânicos para áreas contaminadas;

e) uso de equipamentos de proteção respiratória com linha de ar mandado, para trabalhos, por pequenos períodos, em áreas altamente contaminadas;

f) uso de máscaras autônomas para casos especiais e treinamentos específicos;

g) rotatividade das atividades e turnos de trabalho para os perfuradores e outras atividades penosas;

h) controle da poeira a níveis abaixo dos permitidos.

Box 3 - Precauções legais, de órdem médica e de higiene, obrigatórias para todos os trabalhadores expostos às operações com manganês e seus compostos:

 

a) exames médicos, admissionais e periódicos;

b) exames adicionais para as causas de absenteísmo prolongado, doença, acidentes ou outros casos;

c) não admissão de empregado portador de lesões respiratórias orgânicas, do sistema nervoso central e disfunções sanguíneas para trabalhos em exposição ao manganês;

d) exames periódicos de acordo com os tipos de atividades de cada trabalhador, variando de períodos de 3 a 6 meses para trabalhadores de subsolo e de 6 meses a anualmente para os trabalhadores de superfície;

e) análises biológicas de sangue; afastamento imediato de pessoas com sintomas de intoxicação ou alteração neurológicas ou psicológicas;

f) banho obrigatório após a jornada de trabalho;

g) troca de roupa de passeio/serviço/passeio;

h) proibição de se tomarem refeições nos locais de trabalho.

 

 

Para fins de enquadramento previsto na NR 4 3 que trata dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho - SESMTs, as empresas que trabalham com manganês são consideradas como de risco 4 ( é o de maior nível e implica, em termos de dimensionamento de SESMT, que, a partir de 50 trabalhadores, deverá contar com os serviços de um técnico de segurança do trabalho e se o número de empregados estiver entre 101 e 250, terá que contratar 2 técnicos de segurança, 1 engenheiro de segurança e 1 médico do trabalho - os dois últimos em tempo parcial). Portanto, é um direito do trabalhador exposto contar com profissionais que asseguram condições adequadas de trabalho, seja pelo que prescreve a NR 15 como a NR 4, seja, ainda, pelo Programa de Prevenção de Riscos Ambientais previsto na NR 9.

Na NR 7 que trata dos exames periódicos, não há referência específica a exames para expostos ao manganês. O médico poderá basear-se em seu tirocínio clínico e no item 7.4.2.3:

"Outros exames complementares usados normalmente em patologia clínica para avaliar o funcionamento de órgãos e sistemas orgânicos podem ser realizados, a critério do médico coordenador ou encarregado, ou por notificação do médico agente de inspeção do trabalho, ou ainda decorrente de negociação coletiva de trabalho".

Nesta norma, ainda há referências a várias providências a serem adotadas no caso de constatação de danos à saúde causados pela exposição a cargas de trabalho de origem química como: quando emitir a comunicação de acidente do trabalho - CAT, critérios de afastamento do trabalho, encaminhamento à Previdência Social, etc.

Em termos legais, o trabalhador está protegido, tanto no que se refere ao ambiente de trabalho como aos danos que o manganês possa ocasionar a sua saúde.

Os trabalhadores intoxicados, em termos de legislação previdenciária, têm sua enfermidade enquadrada como Doença Profissiona,l conforme Anexo II do Decreto 611/92 sobre os planos de Benefícios da Previdência Social 2. A forma de inserção do manganês na Lista de Doenças Profissionais pode ser visualizada no box 4.

 

Box 4 - Agente químico patogênico - Manganês e seus compostos tóxicos. ( Lista das Doenças Profissionais )

 

Trabalhos que contêm o risco:

a) extração, tratamento e trituração de pirolusita (dióxido de manganês);

b) fabricação de ligas e compostos de manganês;

c) siderurgia;

d) fabricação de pilhas secas e acumuladores;

e) preparação de permanganato de potássio e fabricação de corantes;

f) fabricação de vidros especiais e cerâmicas;

g) soldagem com eletrodos contendo manganês;

h) fabricação de tintas e fertilizantes;

i) curtimento de couro.

 

A legislação previdenciária 2 reconhece, também, que os trabalhadores expostos podem aposentar-se com 25 anos de serviço permanente e habitual em trabalhos especificados no box 5.

Box 5 - Especificação legalmente estabelecida para a aposentadoria especial referente ao manganês.

 

- extração, tratamento e trituração do minério por processos manuais ou semi-automáticos;

- fabricação de compostos de manganês;

- fabricação de pilhas secas, contendo compostos de manganês;

- fabricação de vidros especiais, indústria de cerâmicas e outras operações com exposição permanente a poeiras de pirolusita ou de outros compostos de manganês.

 

Como se assinalou no início deste item, tradicionalmente, são estas as medidas que se costuma elencar como suficientes e necessárias para assegurar a saúde dos trabalhadores que trabalham com o manganês. Mas será mesmo que estas medidas resolvem o problema do manganismo?

 

10 - QUATRO EXEMPLOS RELEVANTES

Inicialmente, para entender melhor porque as simples medidas técnicas não bastam para prevenir a ocorrência do manganismo, serão relatados alguns episódios vivenciados direta ou indiretamente por um dos autores ( JRG ) .

O padre epidemiologista

O pároco de pequena cidade dos arredores da cidade de São Paulo (descreve Almeida e col. 1 em 1968) , notou que alguns de seus paroquianos, ao se dirigirem para a missa dominical, caminhavam de maneira estranha.

Preocupado, perguntou o que estava acontecendo.

- Não sabemos, responderam os fiéis.

O padre fez mais indagações sobre alguns aspectos comportamentais e de condições de trabalho.

- Trabalhamos todos na mesma empresa, uma siderúrgica que produz ligas de ferro com outras substâncias entre as quais o manganês.

Mais preocupado ainda ficou o padre. Procurou literatura especializada sobre doenças profissionais, visitou a empresa e conversou com os diretores sobre uma eventual relação entre o processo produtivo e os sintomas dos trabalhadores. Os empregadores informaram que sempre se trabalhou desta maneira em todo o mundo e que nunca havia ocorrido nenhuma queixa de doenças entre os trabalhadores da empresa, relacionável com o trabalho. Havia, isto sim, muitos casos de alcoolismo o que talvez explicasse a marcha estranha. Tais explicações não convenceram o pároco que resolveu prosseguir em suas investigações, raciocinando de maneira epidemiológica:

- Se há alguns casos que vêm da mesma empresa, esta ocorrência pode ser um aviso que há mais casos.

Combinou com os trabalhadores que procurassem colegas que apresentassem sintomas parecidos. Apareceram então mais alguns casos.

Revoltado com a situação, o padre escreveu no jornal paroquial um libelo contra os empregadores que submetiam os trabalhadores a condições de tanto risco para a saúde. Os diretores procuraram o ambulatório de doenças profissionais do SESI, buscando uma comprovação de que os casos não estavam relacionados com o trabalho.

Após uma investigação clínica, laboratorial e ocupacional foram ao todo identificados dezessete trabalhadores cuja enfermidade, ao contrário do que esperava a empresa, estava diretamente relacionada com as condições de trabalho: estes casos de manganismo profissional foram descritos por Almeida e cols 1. A empresa após este episódio, encerrou sua atividade.

 

Os doentes sorridentes

Em 1972, quando se organizou o material instrucional para o primeiro curso para médicos do trabalho, o capítulo sobre manganês foi escrito por Gomes 11 . A aula sobre manganês foi por ele ministrada e acompanhada pelo vídeo já referido. Esta aula foi assistida por médica de Belo Horizonte que, posteriormente, estruturou o curso para médicos do trabalho naquela capital. Na disciplina de doenças profissionais, foi também ela quem apresentou a aula sobre manganês.

Um dos colegas que assistia ao curso ficou muito interessado porque, como perito do INSS, estava com alguns pacientes com sintomatologia neurológica cuja origem não se estava conseguindo caracterizar. Com esta inquietação, fez uma nova avaliação clínica, laboratorial e, especialmente, ocupacional, tendo sido identificados mais quatro casos de manganismo profissional, em 1974.

Este colega referiu que num domingo à tarde, visitou o hospital onde estavam internados os quatro pacientes e os levou a passear por Belo Horizonte. Na Ladeira do Amendoim, os pacientes acharam muita graça do efeito antigravitacional (parece que o carro sobe a ladeira com motor desligado ). Começaram a rir lá pelas quatro horas da tarde e, quando terminou o passeio, ainda davam risadas cerca de três horas depois. A esta altura, até o médico também ria muito.

Entre estes dois episódios havia um elo de ligação: a empresa que encerrou suas atividades no interior de São Paulo era a mesma que reabriu no estado de Minas Gerais. Recentemente, a imprensa leiga noticiou que esta empresa foi obrigada a transferir o controle acionário para uma congênere para evitar a falência.

 

O dilema do empresário

Certa ocasião, em meados da década dos anos oitenta um empresário estava conversando com um dos autores ( JRG ) sobre as dificuldades de implantar as medidas de higiene numa siderúrgica que processava ligas de ferro com manganês. Dizia ele que as consequências eram tão graves para os trabalhadores que sua primeira propensão era a de fechar a empresa. O que o impedia de tomar tal decisão era a grande lucratividade desta unidade que dentre todo o conglomerado de empresas era, de longe, a mais lucrativa.

 

O marido da enfermeira

Um médico estava comentando sintomas de intoxicações profissionais, como o manganismo, quando uma enfermeira, sua colega de trabalho, pediu maiores detalhes sobre esta doença ocupacional. Seu interesse estava relacionado com as atividades que seu marido desenvolvia em pequena empresa metalúrgica industrial.

A atividade consistia em uma espécie de beneficiamento de minério de manganês para fins de utilização como mistura despolarizante de pilhas de manganês ativado: a do "gato". Esta empresa foi objeto de ação de vigilância à saúde, quando foram identificados mais alguns casos de manganismo.

Esta ocorrência é do início da década dos noventa. O dono da indústria ficou extremamente apreensivo, não só com os trabalhadores, mas com ele mesmo uma vez que também esteve exposto durante vários anos. Esta preocupação foi de tal natureza que o levou a encerrar as atividades da empresa.

 

 

11 - DETERMINANTES SOCIAIS QUE INTERFEREM NA INTOXICAÇÃO

Estes exemplos foram relatados com o objetivo de motivar o leitor para certos aspectos sociais da medicina do trabalho, que serão discutidos a seguir.

Para transformar a natureza, segundo Facchini 10, o homem desenvolveu um processo que está determinado pela forma concreta que se dá à produção, distribuição, intercâmbio e consumo dos meios de produção. Nos quatro exemplos esta determinação está muito bem caracterizada. O trabalho com manganês não deveria causar as intoxicações. O trabalho em si não é nocivo e perigoso. Na realidade, o manganês é até um oligoelemento essencial, cuja ausência no organismo humano é causa de doença carencial. Então quem causa manganismo não é, em última análise, o manganês mas sim a forma como está organizado o trabalho que o utiliza.

As medidas preventivas foram abordadas anteriormente de forma deliberada e essencialmente técnica como, em geral, este aspecto é tratado. Agora, algumas particularidades da promoção, proteção, recuperação da saúde e do ressarcimento dos danos serão analisadas sob um ponto de vista mais social e econômico, bem como das relações de trabalho.

A Organização Mundial de Saúde 18, define a Epidemiologia como o estudo da distribuição e dos fatores determinantes e acontecimentos relacionados com a saúde da população trabalhadora e a aplicação deste estudo no controle dos problemas de saúde.

É com esta filosofia que este item foi redigido, e onde serão pinçados certos aspectos que se entendeu como importantes para discutir um pouco mais detalhadamente. Não tem nenhuma pretensão de abordar todos os determinantes sociais da intoxicação. Talvez não sejam os mais significativos para alguns dos leitores mas são aqueles que mais têm chamado a atenção dos autores, pela sua experiência no acompanhamento de evolução histórica da saúde dos trabalhadores no Brasil.

Entre as medidas promocionais da saúde recomendadas, em geral, não estão incluídas, como preconiza a Organização Internacional do Trabalho 17, a mobilização dos trabalhadores no sentido de valorizarem seu potencial de interferência no planejamento, execução e avaliação dos programas que são definidos para assegurar sua saúde. Em saúde pública, qualquer ação de saúde que não contemplar a participação da população usuária será inconsequente.

Quando se trata de saúde de população trabalhadora, no entanto, a participação dos trabalhadores é muito mais virtual: só são chamados a colaborar quando o processo já está em fase de execução e, mesmo assim, a cooperação solicitada é mais no sentido de usar o EPI, ter cuidado com o agente químico, ser responsável, lavar as mãos antes de comer, não fumar, não comer e beber no ambiente de trabalho, etc. As recomendações legais , como já foi visto, também insistem nesta linha: tomar banho, trocar a roupa, não comer no local de trabalho. Este tipo de " participação do trabalhador ", na realidade é mais uma atribuição de responsabilidade pelos eventuais efeitos dos agentes do que uma participação propriamente dita, inserida, conforme se pode esperar, nos princípios da relação capital-trabalho em vigência. Aliás, tais recomendações deveriam ser acompanhadas de obrigações " homólogas " ( a serem realmente cumpridas ) pelo empregador: proporcionar água quente nos banheiros; fornecer e lavar as roupas de trabalho, manter refeitório, e, principalmente, assegurar condições corretas de trabalho.

Estes aspectos são de tal importância, que muitos movimentos sindicais têm como diretriz que, em última análise, a responsabilidade pela saúde dos trabalhadores é dos próprios trabalhadores, conforme a política do Movimento Operário Italiano.

Para que a sugestão de implantar um trabalho sem risco ou as medidas coletivas de proteção seja concretizada, há uma série de aspectos de natureza não exclusivamente técnica que precisam ser considerados. Estas medidas são onerosas em termos econômicos e, interferindo no preço final dos produtos, serão analisadas, pelos empregadores, sob este ponto de vista. São decisões que têm implicações muito mais significantes na atual política governamental do neoliberalismo, onde a competitividade é um fator decisivo para as empresas. Além disto, há um outro problema sério com a implantação de automatização que é o agravamento do desemprego, cujo fantasma já vem ameaçando até os países centrais.

Modificações na organização do trabalho, como, por exemplo, redução de jornada, instituição de pausas, áreas de lazer, abolição de horas-extras, adoção de medidas de ergonomia, etc., que são importantes medidas de prevenção ( em geral não constam dos relatórios essencialmente técnicos ) também esbarram no mesmo problema.

Implantar modificações em ambientes de trabalho, muitas vezes, envolvem tecnologias nem sempre disponíveis. A monitorização ambiental, por exemplo, implica conhecimentos de higiene ocupacional que muito poucos profissionais e serviços são capazes de executar. Recentemente, um agente de inspeção médica do trabalho referia que notificou uma empresa para que fizesse um monitoramento ambiental para certo agente químico. Quando terminou o prazo, a empresa mostrou respostas de cinco serviços, oficiais e particulares, informando não ter condições de realizar a monitorização. O agente de inspeção ficou sem saber como agir.

A segregação no tempo ou no espaço é uma medida que sempre causa uma grande estranheza: como explicar a delimitação de determinado local de trabalho em condições precárias, com o objetivo de " proteger " os demais trabalhadores. Como assegurar que os trabalhadores escolhidos para o local precário sejam devidamente protegidos?

Como estas medidas até aqui referidas são de difícil implantação, a proteção oferecida resume-se nos EPIs. (muitas empresas, nem esta proteção proporcionam a seus trabalhadores expostos ). Por isto, é oportuno comentar alguns problemas relacionados com seu uso.

Estes equipamentos são menos confiáveis em termos de proteção porque dependem diretamente da vontade de se os usar, ou oferecer, aos usuários. Além disto são incômodos. Os protetores respiratórios, que são muito indicados para os expostos ao manganês, dificultam, e muito, o livre fluxo do ar, aumentando o cansaço do trabalhador, além de aquecerem e umidificarem as regiões do rosto cobertos pelo protetor.

Além disto, nem sempre a indicação é correta, ou a eficiência do equipamento é aferida, ocasionando uma falsa segurança. Recentemente, ocorreu uma grande celeuma sobre a eficiência de máscaras para proteger trabalhadores de poeira de asbesto. Um equipamento individual só deverá ser usado quando as medidas de proteção coletivas forem tecnicamente inviáveis ou não oferecerem proteção completa; enquanto as medidas coletivas estiverem sendo implantadas e para atender situações de emergência.

Os equipamentos individuais ainda apresentam uma outra inconveniência séria: muitas vezes não se adaptam às condições de clima e de biótipo do trabalhador brasileiro. A manutenção dos protetores respiratórios é outra dificuldade séria e a troca de seus filtros em períodos adequados é uma providência básica em termos protetores e que nem sempre é corretamente adotada.

Os protetores respiratórios autônomos, única proteção individual respiratória que poderia dar algum grau de segurança, são muito desconfortáveis e, certamente, implicam medidas especiais de pausas no trabalho para que o trabalhador possa suportar sua utilização.

A implantação do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional previsto na NR 7, além dos problemas de ordem econômica para ser implantado, apresenta uma dificuldade adicional que são os laboratórios de toxicologia ocupacional. Em São Paulo, por exemplo, há uma série de laboratórios muito bem aparelhados tanto de equipamentos como de recursos humanos habilitados, como o do SESI, da FUNDACENTRO, o do Instituto Adolfo Lutz, o do Instituto Biológico, o da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, o da Faculdade de Saúde Pública ( estes dois últimos da USP ).

No entanto, quando se necessita de um laboratório para os exames previstos na legislação, até os Programas de Saúde do Trabalhador da rede pública de saúde recorrem a laboratórios da iniciativa privada. Ainda neste importante instrumento de acompanhamento de saúde que é o laboratório de toxicologia e higiene ocupacional, cumpre assinalar a significância do controle de qualidade dos exames realizados. Há programas multicêntricos de controle de qualidade, como o realizado por uma rede mundial de laboratórios coordenados por um Laboratório da Espanha. Infelizmente, poucos laboratórios brasileiros se integraram a estes programas de controle de qualidade.

O afastamento do trabalho não depende simplesmente da vontade do médico de afastar o paciente. O medo da demissão, o reconhecimento da enfermidade como doença profissional pela perícia do INSS, a desmobilização de certas categorias para estes aspectos das relações de trabalho, etc. são elementos que podem ter grande influência no afastamento, ou não, do trabalho.

A legislação acidentária 4 assegura estabilidade, pelo prazo mínimo de doze meses após a cessação do auxílio acidente, ao trabalhador acidentado no trabalho. Este é um importante direito assegurado ao trabalhador acometido de doença profissional. Foi uma conquista dos sindicatos dos metalúrgicos que incluíram uma cláusula desta natureza em seu contrato coletivo de trabalho, conquista esta estendida, por lei, a todos os trabalhadores. A influência que uma medida desta ocasiona na forma de conduzir uma doença profissional, é um exemplo muito claro do que é um determinante social.

A ameaça de desemprego é um outro determinante social que pode modificar sensivelmente a maneira como o trabalhador exterioriza sua sintomatologia, especialmente a de cunho mais subjetivo das fases iniciais do manganismo. O trabalhador tende a omitir seus sintomas e mais ainda, recusa aceitar afastamento do trabalho não porque não está enfermo, mas por receio de ser demitido.

Os benefícios previstos legalmente para um trabalhador que trabalha com o manganês ou que foi acometido pelo manganismo também merecem algumas considerações.

Para que o trabalhador seja reconhecido pela Previdência Social como portador de uma doença profissional, deverá passar pela Perícia Médica do INSS. Quase sempre, estes pacientes foram atendidos pelo Sistema Único de Saúde - SUS, ( em algum dos Programas de Saúde do Trabalhador ou Centro de Referência de Saúde do Trabalhador ) e encaminhados à Perícia do INSS após comprovação diagnóstica, não só clinicolaboratorial mas também ocupacional.

Pode ocorrer, no entanto, que a Perícia Previdenciária, cujos profissionais podem não ser médicos do trabalho, desconsidere a enfermidade como doença profissional. Neste caso, o trabalhador terá sérios prejuízos previdenciários.

Legalmente, o tratamento de uma enfermidade profissional deverá ser gratuito para o trabalhador. No caso do manganismo, este tratamento envolve medicamentos caros , pode haver necessidade de acompanhamento fisioterápico, hospitalização, etc. como já foi considerado anteriormente. Mas, usualmente o próprio trabalhador está arcando com o ônus financeiro de seus medicamentos. O próprio SUS dificilmente dispõe destes fármacos mais especializados.

O adicional salarial previsto na NR 15 corresponde, atualmente, a quarenta reais por mês. Assim mesmo, para que seja concedido ao trabalhador, há necessidade de todo um procedimento relacionado com perícia no local de trabalho, cujo detalhamento foge ao objetivos deste trabalho. O pagamento do adicional de insalubridade é um perverso e maquiavélico instrumento.

O empregador alega que não deve pagar este adicional porque ele é uma desumanidade:

- como pagar alguém para que suporte melhor uma condição de trabalho que faz mal para a sua saúde?

Mas, por outro lado, não implementa as medidas preventivas necessárias para que as condições de trabalho não ocasionem dano à saúde do trabalhador. Os trabalhadores, por sua vez, raciocinam:

- o empregador não paga o adicional porque entende que o trabalhador não deve " vender " sua saúde; como não corrige o ambiente, a exposição persiste e, portanto, a minha saúde continua sendo prejudicada; então não estou vendendo a saúde, a estou dando de graça.

Como os salários da maioria dos trabalhadores são muito baixos, estes adicionais acabam se incorporando ao orçamento mensal. Poderá acontecer, eventualmente, que alguns trabalhadores prefiram o adicional a um programa de higiene do trabalho, cujos resultados benéficos são de difícil constatação. É mais uma distorção perversa que o sistema de relações de trabalho vigente desencadeia. Esta mesma distorção também se constata quando o trabalhador prefere "vender" suas férias ou fazer "horas-extras".

Há muitos anos, havia, em São Paulo, um adicional de quarenta por cento, do salário real, para os médicos e paramédicos do serviço público que trabalhavam em radiologia. Esta atividade, era extremamente cobiçada pelo funcionalismo e os profissionais beneficiados ficavam muito aborrecidos quando eram transferidos para um local onde não mais havia exposição. E eram profissionais da área de saúde que conheciam os efeitos das radiações.

Por isto não deve ser motivo de estranheza constatar que alguns trabalhadores expostos que recebem adicional de insalubridade, prefiram continuar percebendo esta complementação salarial. Mas também é importante assinalar que esta situação está, rapidamente, modificando-se como já foi referido.

Os autores entendem que esta questão ainda não está resolvida. Todos insistem que a luta pelos adicionais deve ser substituída pela busca da melhoria das condições de trabalho, mas todos também entendem que ainda não há um mecanismo adequado para assegurar que esta substituição seja realmente implantada e dela resulte real benefício para o trabalhador.

Ainda neste assunto relacionado aos direitos dos trabalhadores expostos ao manganês, é oportuno lembrar a aposentadoria especial aos 25 anos de serviço 2 . Como o manganismo é incapacitante para o trabalho, dificilmente um trabalhador têm condições de completar o tempo necessário para usar este direito. Além desta incapacidade laborativa, a intoxicação, como já foi mencionado, pode também impedir o exercício das atividades de vida diária, Neste caso, sua aposentadoria 2 pode ser incluída entre as que implicam majoração de 25% no seu valor.

Para concluir estes comentários sobre alguns dos determinantes sociais que interferem na gênese e evolução do manganismo, é importante destacar ainda a necessidade de uma conscientização, tanto dos empregadores como dos trabalhadores para estes aspectos da relação entre o capital e o trabalho.

Um bom instrumento para esta conscientização pode ser o cumprimento de dois direitos dos trabalhadores previstos na NR 1 3: recusar-se a trabalhar em condições inadequadas e o de conhecer o resultados dos exames ambientais e médicos que lhe dizem respeito. Outro instrumento importante de conscientização é a ação, neste campo, do Ministério Público e da Vigilância à Saúde; o primeiro porque pode acionar criminalmente os empregadores cujas empresas ocasionaram intoxicação, e a segunda porque poderá impedir o trabalho quando as condições envolverem risco considerável para a saúde.

Há ainda um terceiro instrumento que é a ação regressiva proposta pela Previdência Social 2 contra os responsáveis pela negligência quanto às normas-padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva.

Apesar dos percalços que o trabalhador necessita transpor para conseguir seus direitos legalmente previstos, a atual política neoliberal está procurando alterar artigos constitucionais referentes a estes direitos. Recentemente, por ocasião do reajuste do salário mínimo, foram incluídas na Lei 9.032/95 4 várias modificações que limitam direitos do trabalhador acidentado. Possivelmente, outras investidas nesta área poderão ser esperadas.

Como foi visto nesta abordagem do manganismo, há uma conjunção de fatores causais a serem considerados. Um problema de gênese multicausal implica soluções interinstitucionais, multi e transdisciplinares. E mais ainda, tratando-se de uma doença profissional, onde as relações de trabalho são de fundamental importância é bom lembrar que estas ações programáticas para a saúde do trabalhador deverão envolver diretamente os copartícipes sociais envolvidos, principalmente, nos princípios da livre-negociação, os trabalhadores e os empregadores.

Mas no atual estágio de desenvolvimento destas negociações, a presença do governo ainda pode ser necessária. Algumas recentes intervenções dos trabalhadores, e de suas representações, na busca de melhores condições de saúde têm se mostrado bastante incisivas e resolutivas.

Por princípios de ética, quando o médico assume a responsabilidade de conduzir um programa desta natureza, assume também o compromisso de procurar a melhor forma de manter a saúde deste segmento social sob sua supervisão médica. E para cumprir este compromisso, o determinante mais importante a observar é a condição inadequada de trabalho.

O profissional de saúde que não abordar uma intoxicação profissional com esta macrovisão do processo saúde/trabalho estará muito longe de exercer todo o seu potencial resolutivo do problema. Se ele preocupar-se apnas com os aspectos de diagnóstico e tratamento, sem levar em consideração os demais envolvimentos ligados à relação capital/trabalho sua ação será muito restrita: firmará o diagnóstico de uma enfermidade cujo tratamento, como se viu, é controvertido e de eficiência discutível. O problema, no entanto, continuará e haverá ainda outros casos para diagnosticar, tratar, reabilitar e ressarcir o dano ocasionado.

Um último aspecto a considerar refere-se à importância da produção de conhecimentos nesta área. Para escrever esta revisão, foi solicitado um levantamento das pesquisas relacionadas ao manganês de 1990 a 1995. Neste levantamento feito na base de dados Medline, foram identificados 62 títulos. ( não foram incluídas nas referências bibliográficas para não estendê-las muito ) . Mas, ter uma idéia sobre o que se está pesquisando atualmente e onde estão sendo realizadas estas investigações sobre o manganês, será apresentado um breve resumo, com o objetivo de, identificar algumas perspectivas futuras.

As pesquisas estão sendo realizadas, principalmemte, em serviços situados nos seguintes países: Polônia, Singapura, Canadá, Estados Unidos, Rússia, Suécia, India, Japão, Itália. Há apenas uma referência de autora brasileira, Siqueira, já referenciada neste trabalho. Abordam aspectos variados da intoxicação, desde problemas respiratórios e efeitos enzimáticos até a aplicação de testes neurocomportamentais para diagnóstico precoce de desvios neuropsiquiátricos preclínicos e sinergismo de exposição ocupacional e ambiental. Os efeitos combinados de multiexposições a baixas concentrações é uma das tendências que se constata nas linhas de pesquisas assim como a dosagem do manganês nos cabelos, ainda na tentativa de encontrar parâmetros biológicos confiáveis de exposição.

O uso de ressonância magnética para identificar lesões cerebrais é outra área em investigação, e o ramo produtivo mais pesquisado é a indústria de pilhas secas.

Nesta apresentação procurou-se transmitir, não só os conhecimentos técnicos julgados necessários para o diagnóstico e tratamento, mas também uma visão sociopolítica que deve ser lembrada pelos profissionais, cuja atividade diária implica compromisso com a melhoria das condições de trabalho e de vida da população trabalhadora.

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